Apocalipse Zumbi - Capítulo 2

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Florianópolis (Rio Vermelho - Norte da Ilha) - 12 de Agosto de 2018 - Abrigo temporário #49 - 02:37 A.M.

Haja escuridão, essa semana é lua nova e montamos abrigo em um dos pequenos sítios da região. Encerrei meu turno há pouco e, após comer uma lata de feijoada que esquentei em algumas brasas, estou aqui acompanhado de um pequeno pedaço de vela para registrar nosso progresso.
    Após saírmos do abrigo anterior, localizado em nosso bairro de origem, Ingleses, pegamos o carro (ainda usamos o Santana do Carlos, que antes nos levava para praias, pescarias e baladas mas agora está parecendo mais um carro do exército, cheio de armamento, pontas e proteções nos levando de abrigo em abrigo enquanto ainda encontramos combustível para mantê-lo) e rumamos em direção aos sítios no Rio Vermelho.
    Foi um deslocamento tranquilo. Os inanes não gostam muito de sair durante o dia, só os muito famintos o fazem. Também há o fato que, enquanto temos munição, lidar com inanes isolados é fácil, difícil é acertar a cabeça de primeira enquanto estão correndo.
    Por sorte o sítio que escolhemos estava abandonado e não tivemos problema em vistoriá-lo. Eliminamos apenas um inane que comia uma carcaça de animal próxima à mata , junto à uma das cercas do sitio. Começamos a preparar as defesas do local ainda na parte da tarde.
   Quando a noite chegou já havíamos deixado todas as barricadas e armadilhas posicionadas. Amanhã começaremos a recolher madeira e mantimentos dos sítios vizinhos. Odeio essas buscas mas periodicamente temos que fazê-las. É muito fácil ser surpreendido por inanes quando se está em ambientes fechados. Eles não são zumbis retardados que se movem em câmera lenta e nem tão fácil de se diferenciar de um "vivo". O que quer que torne  a pessoa um inane faz questão de matar sua personalidade e seu intelecto, mas deixa bem ativo seus instintos  e capacidades motoras. A melhor maneira de reconhecer um inane é pelo seus olhos claros, sem pigmentação (acho que isso o desmotiva a sair durante o dia, devem enxergar muito mal) e a incapacidade de perceber coisas lógicas. Eles também são incapazes de falar, então só soltam grunhidos. Normalmente estão famintos.
  O pessoal está quieto, ainda não nos acostumamos muito bem às perdas mesmo já tendo passado por várias. Nosso grupo, há 5 meses atrás, era um grupo normal de amigos. Morávamos no bairro de Ingleses, no norte da ilha, cada um com sua família. A única exceção era eu, que morava sozinho mas que tinha na família de cada amigo uma extensão da minha própria. Lembro que há alguns anos até brincávamos falando sobre um apocalipse zumbi, que seria empolgante e que estávamos seguros por morar em uma ilha. Só esquecemos que estávamos em uma ilha com um aeroporto Internacional e que, quando derrubassem a ponte para diminuir o caos e tentar controlar o fluxo de pessoas, estaríamos então isolados junto a todos os inanes, cujo número crescia exponencialmente a cada dia. Imagine estar em uma ilha com mais de meio milhão de habitantes, sem contar os turistas da época, e perceber que em menos de um mês, mais de dois terços deles ou se tornaram zumbis ou pereceram de fome, suicídio, doenças ou acidentes.
O caos da realidade é muito maior do que o encontrado na ficção que tanto nos fascinava. Quando assistíamos a filmes ou seriados não sentíamos o cheiro de carne podre que atualmente sentimos ao andar pelas ruas. Não víamos crianças mutiladas pelo chão porque era conteúdo pesado demais para ser mostrado na mídia. Não percebíamos que até uma gripe um pouco mais forte poderia ser fatal pois já não há distribuição de medicamentos ou atendimento médico disponível. Nos dias de hoje, achamos que nosso antigo precário sistema de saúde público era um grande tesouro. Se há anos atrás sonhávamos, ingenuamente, com um apocalipse zumbi, hoje sonhamos com nossa vida de antigamente, ao menos do pouco que ainda podemos nos lembrar dela com clareza. Cinco meses nesta situação já foram suficientes não só para dizimar com a população mas também com  o espírito dos que sobreviveram. Tem dias que desejamos a morte, isso é uma realidade. Com certeza, se estivéssemos sozinhos, já o teríamos feito. Mas como grupo, ajudamos uns aos outros a enfrentar cada dia. Ficamos pensando nas pessoas que ficaram para trás e nem sequer sabemos o que acontecera com elas.
  Quando tudo começou estávamos juntos e decidimos que o sensato seria continuarmos juntos quando fôssemos verificar cada família. Um trânsito de verão já era uma calamidade em Ingleses, agora um trânsito composto de pessoas em pânico, onde todos são estranhos e cada um só se preocupa consigo e com os seus... Os inanes naqueles dias eram o menor dos perigos. Admito que meus pesadelos são lembranças daqueles dias, mas prefiro não falar deles hoje pois não quero lembrar logo agora, perto da hora de ir dormir para descansar. Preciso estar bem pois amanhã será um dia daqueles.
Estou congelando de frio, é difícil me aquecer somente com algumas cobertas e um braseiro (pois evitamos usar chamas, em noites tão escuras quanto essas pois poderíamos ser vistos de longe. Mesmo minha vela fica sob uma redoma de material semi-transparente, para que eu tenha iluminação mas não de forma exagerada e  oscilante como seria se a deixasse sem a cobertura). Por sorte estamos dentro da casa do sítio pois lá fora o vento que vem do Sul é gelado de cortar os ossos. Acabo por agradecer pelas cobertas.
     Está no turno do Carlos, então posso dormir "tranquilo". Ele tem uma maturidade exemplar entre os 3 mais novos (Rafael, Carlos e Otávio). Ainda tem a esperança de encontrar seus pais, que estavam viajando para o Paraná quando tudo começou mas não teve contato pois, quando percebemos, já não existiam mais os serviços de telefonia. Bom, darei, se possível, mais detalhes amanhã durante o dia. Em dias de busca e expedição prefiro fazer meus relatórios com mais frequência pois nunca sei se chegarei vivo até a noite. Triste realidade.
    Se realmente existe uma Força maior em algum lugar (embora difícil acreditar em um Deus depois de passar o que passamos), que ela esteja conosco amanhã nos protegendo.
    Boa noite!
Álisson

Álisson Alves

Alisson Alves é o autor do Blog Gente Incomum, escritor, blogueiro, e nas horas vagas curte jogos online, tocar violão e ler.

4 comentários:

  1. está ótimo, chega até a me convencer de que isso está realmente acontecendo kkkk

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  2. TT-TT.....Cara ta muito bom cada vez melhor, você esta retratando o dia à dia muito bem, colocando um sentimento nos personagens que esta muito show...
    Parabens...

    Otavio

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  3. Pow, valeu mesmo. Já estou pensando no que vem amanhã. Já tenho algumas idéias... MUAHAHAHAHAHA

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  4. nossa ...muito bom Alisson,fiquei c medo ...rsrsrs bjso amigo

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