Florianópolis (Parque Lagoa do Peri - Sul da Ilha) - 19 de Agosto de 2018
- Abrigo #50 - 22:57
"Feliz Aniversário!" - Foi assim que meu dia começou hoje. Parece que alguém chamado Carlos tagarelou para os demais sobre a data do meu aniversário. Quando ouvi essa frase vinda de todo o pessoal agrupado na volta da minha cama hoje pela manhã eu dei um pulo! A surpresa foi tão grande que neste salto quebrei o estrado da cama em dois e caí de bunda no chão. Odeio acordar assustado mas em vista da ocasião não sabia se ficava irado ou feliz. Já faz um bom tempo que não participava de uma festa, em especial uma feita para mim. Não tinha ideia do trabalho que haviam tido para organizar tudo. Na verdade só me dei conta ao ler o relato de ontem do Carlos no meu diário. Relato este que por sinal me deixou apreensivo e preocupado. Será que o que aconteceu com meu corpo vai ficar ainda pior? Eu não sinto que tenha força para quebrar árvores ao meio como ele relatou e por mais que estivesse alterado emocionalmente por causa da dor, ainda tinha plena consciência do que fazia. Só pedi para me vigiarem por precaução mas acho que acabei os assustando ainda mais. Mas, vamos falar da festa.
O dia de hoje com certeza foi um dia marcante e muito especial para mim. Não foi só um "parabéns a você" que me surpreendeu mas descobri que todos haviam preparado algum presente. A Ana havia costurado uma jaqueta jeans porque vivo reclamando do vento frio do inverno. A Aline me deu um ursinho de pelúcia que havia encontrado em uma das andanças do grupo. Da Renata ganhei um anel com caveirinhas. Ela sorriu quando me entregou, dizendo: "Um presente apropriado para um Fóssil!". Parece que o Carlos não só deu com a língua nos dentes sobre meu aniversário como também meu apelido. Por sinal, dele eu ganhei uma caixa de primeiros socorros. Segundo ele, "para que eu já esteja preparado quando for mordido novamente para sustentar meu vício". A Karol me deu um Game boy com um cartucho de Tetris. Conversamos algumas vezes sobre como eu era viciado em jogos e coisas eletrônicas e ela tinha essa relíquia e resolveu me dar de presente. o Jonatha me presenteou com um arco e flecha artesanal, trabalhado e preparado pelas próprias mãos. Na hora de entregar o presente ainda me zoou dizendo que era para que eu melhorasse a pontaria. Sério, amei o arco. A Kelly, depois de um apertado abraço dizendo que estava feliz por eu estar de volta, me presenteou com um violão. Ela o havia encontrado no abrigo quando chegaram a ele mas, como do grupo ninguém tocava, havia ficado esquecido no porão com os geradores. Quando ela foi até lá ajudar a consertá-los o encontrou e lembrou que haviam mencionado que, nem digo quem, eu tocava um pouco de violão. O Archie me deu um Pêndulo de Newton e mal sabia ele que passei minha infância querendo um. O Rogher me deu uma corrente para pescoço, feita de aço inox, e disse que era simbolicamente para me dar melhor sorte. Do Otávio ganhei uma pistola Taurus Pt-1911 que guardava consigo sem o conhecimento de ninguém. Segundo ele uma peça especial que havia encontrado junto ao corpo de um militar em um dos carros da rodovia enquanto procurava por mantimentos. Agora, sem desmerecer os presentes dos demais, adorei o presente da Fernanda. Ela não me deu nada naquele momento em volta do bolo, após todos cantarem os parabéns, só me disse que a tarde gostaria de dar uma volta comigo, caso eu estivesse em condições de caminhar, para me entregar o presente dela. A princípio estranhei mas concordei.
Depois de muita música desafinada com o violão e cantoria à capella com todo o pessoal, pois hoje em particular trancamos tudo e não ficou ninguém de guarda, fui dar a tal caminhada com a Fernanda. Quando percebi estávamos na beira da Lagoa, no lugar que ela havia me encontrado no dia que todos estavam me procurando, quando corri preocupado atrás da Aline e acabei meditando na vida por ali. Havia uma mochila pendurada em uma árvore. Ela foi até a mochila e tirou lá de dentro meu livro do Pequeno Príncipe, um lençol e um cartão feito por ela. Após esticar o lençol no chão no que parecia uma pequena orla entre a lagoa e a floresta, pediu-me para que eu sentasse e começou então a ler o cartão:
"Foi num momento turbulento que nos conhecemos. Dias difíceis, complicados, solitários. Mas eu lembro do dia que disparou pela porta da sala, passando sem nos dizer nada, por estar preocupado com alguém que nunca havia visto até então. Você abriu mão de suas necessidades e saiu daquele quarto correndo por entre a gente para ir cuidar de uma estranha. E foi aqui nesse lugar que, algumas horas depois, nos conhecemos. Foi aqui que nos apresentamos e que eu conheci uma pessoa tão doce e com sentimentos reais neste mundo em que as pessoas se tornaram em sua maioria egoístas e de coração duro. Eu sei que faz pouco tempo, somente dois dias desde que isso aconteceu, mas nos dias atuais cada dia é uma nova história. E, nestes dois dias já perdemos e ganhamos tanto. Estou aqui hoje porque dois heróis correram para nos salvar em um momento difícil e, embora um tenha terminado sua jornada, o outro está vivo e bem na minha frente, com algumas cicatrizes a mais mas tão doce quanto o conheci. Eu escrevi esse cartão porque provavelmente ficaria nervosa e envergonhada demais para tentar falar tudo isso sem um roteiro. Percebi nestes dois dias que meu afeto por você se desenvolveu e eu não quero que passe mais um dia, uma história, uma chance, sem poder admitir o que sinto e assim perder a oportunidade para sempre. Então, mencionando a frase deste livro de que é o tempo que gasta com alguém que a faz importante, gostaria de dizer que tenho amado o tempo que passo junto a você e admitir que estou apaixonada!".
Falou isso olhando diretamente nos meus olhos e só abaixou um pouco a cabeça ao terminar, enquanto me entregava o livro em mãos junto com o cartão.
Admito, foi um choque.
Eu nunca havia admitido, nem mesmo aqui neste diário, que o interesse dela por mim era recíproco. No momento que ela surgiu por entre as árvores, com aquele jeito meigo e preocupado, com aquela conversa inteligente e interessante, já havia despertado meu interesse. Não fora simplesmente à toa que eu saí correndo daquela sacada para salvar a ela e ao Rogher, eu tinha uma motivação a mais. Quando acordava e percebia que ela estava cuidando de mim, lendo, me alimentando, me medicando, fiquei ainda mais encantado.
Admitira então pela primeira vez, naquele momento ali na beira da lagoa, tudo o que sentia também por ela. Ela sorriu e então me abraçou, como se não fosse me largar mais. Terminou o abraço deslizando suas mãos pelos meus braços, pegando as minhas mãos e naquele momento trocamos um beijo. Ficamos um tempo conversando, trocando idéias, conversando sobre coisas importantes e outras nem tanto assim. Decidimos como iríamos contar aos demais que estávamos namorando e mesmo nesse período onde as pessoas se tornam mais fortes, eu estava roxo de vergonha só de imaginar a cena.
Voltamos para o abrigo à tardinha, de mãos dadas, e assim que entramos nos deparamos com a cara zombeteira de todos que ainda estavam reunidos na sala comendo e conversando como se fosse apenas mais um dia normal de antigamente. Ao anunciarmos nosso namoro todos vieram nos parabenizar e desejar felicidades. Definitivamente a felicidade permeou este dia desde seu início até o final. Foi um dia de paz e alegria. Decidimos que só trataríamos das nossas ações e problemas amanhã e assim o faremos.
Embora agora estejamos namorando, decidimos que só ficaríamos "juntos" após uns dias, nada mais do que um tempo que achamos necessário. As coisas hoje em dia acontecem rápido mas não precisa ser tão rápido assim.
Agora vou dormir pois estou esgotado. Fiquei isento da vigília de hoje pois é meu primeiro dia em pé novamente e, por mais que eu esteja me sentindo bem mais forte, ainda não estou com tanta energia.
P.S.
Hoje durante a tarde escutamos novos bombardeios e barulho de aviões. A noite ouvimos um grito assustador e monstruoso vindo da Floresta portanto reacendemos algumas tochas no jardim e recomeçamos as vigílias.

QUe lindo cara, que lindooooo.....ahuhauha...teh que enfim um momento de paz!!!
ResponderExcluirOtavio
e ainda reclama que eu falo as coisas que me vem a cabeça.... como o seu aniversário.... bakaero....
ResponderExcluirCarlos