Apocalipse Zumbi - Capítulo IV - Parte I



Florianópolis (Algum lugar entre a Lagoa do Peri - Sul da Ilha e o Norte da Ilha)
 - 29 de Agosto de 2018 -
- Acampamento provisório  - 23:26 -
 
     Por onde começar... Está frio, nublado e uma leve garoa cai sobre nossas cabeças. Alguns sequer se dão o trabalho de enxugar o cabelo molhado e deixam a água fria rolar por sobre o rosto. Talvez para que não se possa perceber a diferença entre a água da chuva, e as lágrimas. Talvez a vergonha de não ter tido coragem para reagir ou fazer algo a respeito da cena que apenas assistimos, pateticamente, pouco antes de seguirmos em fuga. Estamos em um campo isolado, com área descampada à volta, exaustos de caminhar. Dessa vez sem armadilhas ou iluminação suficiente para ver se algo se aproxima. O nosso grupo está sentado, próximos uns aos outros apenas com a cobertura de umas poucas árvores na parte central do campo. A Aline e a Fernanda estão deitadas nos sacos de dormir. A Fernanda repousando a cabeça sobre meu colo e a Aline sobre o Colo do Rogher. Estamos com algumas lamparinas do exército para nos aquecer e uma panela de feijão enlatado, preparado e aquecido por um fogareiro portátil que nossos "salvadores" trouxeram. Ninguém tocou na comida. o Capitão Ernani e, obviamente o Otávio (que nunca perde a chance de matar um inane, ainda mais com o ira que está hoje) estão de guarda do perímetro. As armas foram equipadas com silenciadores e nenhum movimento próximo é ignorado. Desde que a noite chegou já ouvimos várias rajadas serem disparadas em direções aleatórias.  Melhor prevenir do que remediar.
     Mas acho que não se pode entender muito como estamos nos sentindo e o que estamos fazendo aqui se não contar o que aconteceu hoje... Vai ser difícil e, se não fosse por motivo de documentação, preferiria esquecer o que aconteceu.
     Acordamos cedo hoje, acredito que era umas seis da manhã. Estávamos tensos pois iríamos decidir se íamos acompanhar os militares ou não. Nos encontramos todos para tomar o café da manhã na sala. Dos doze, oito decidiram acompanhar os militares, dois não e dois não sabiam o que opinar. Os que rejeitaram foram a Ana e a Karol. Os que não sabiam o que dizer foram o Otávio, que, pra ele, "tanto faz" matar inanes aqui ou no Norte. Se ficasse mataria muito. Se fosse, provavelmente se juntaria ao exército. O outro voto neutro foi do Arthur, pois não sabia se poderia confiar no exército, mas ainda assim queria saber quem era o grupo que foi encontrado pelos militares.
    Agora que já havíamos decidido, juntamos nossos principais pertences e carregamos os carros disponíveis. Cada um pegou apenas o que poderia carregar quando acabassem as estradas. Decidimos que, quando as coisas melhorassem, voltaríamos até o abrigo para buscar os demais pertences.
     Partimos ainda pela manhã, acredito que era umas nove horas. Mas não fomos muito longe. Já próximos ao Campeche percebemos o estrago causado pelos bombardeios nas rodovias. Elas simplesmente deixaram de existir. Onde antes havia estrada agora só haviam crateras, galhos, pedras e ferragens de carros abandonados e retorcidos pelas explosões. Teríamos que fazer cerca de quarenta quilômetros a pé à partir dali. Levaremos alguns dias até Canasvieiras se não encontrarmos novas estradas e veículos em funcionamento. 
   Durante nossa caminhada, quando estávamos na metade da tarde escutamos muito barulho vindo da mata, que ficava bem próxima de onde estávamos. Decidimos seguir por onde antes era a rodovia por causa  da maior facilidade em nos locomover em caso de precisarmos correr. E não seríamos surpreendidos por hordas saindo de trás das árvores caso andássemos pela mata. Ao menos pensávamos assim. Em um determinado momento o barulho aumentou e um grupo de uns oito a dez inanes saiu da mata e veio correndo em nossa direção. Não seriam problema pois na hora o grupo todo já estava virado para eles, com as armas apontadas e disparando. Só não contávamos com o fato de que o barulho dos disparos atrairia outras criaturas, que puderam se aproximar sem que os escutássemos. Eram dois tratores, surgindo por detrás de nosso grupo. Quando um carro retorcido passou por cima de dois soldados, esmagando-os e atirando longe, reparamos no que havia acontecido. O grupo paralisou. Somente o Capitão Ernani havia visto um trator pessoalmente e havia escapado por muito pouco. Agora eram dois. Pra complicar, agora só haviam três militares e apenas dois deles estavam portando armamento pesado para enfrentá-los. O restante dos explosivos e armas de alto calibre estavam com os soldados que foram esmagados e arremessados longe pelo carro jogado pelos tratores. Os gigantes estavam bem no nosso caminho, vindo em nossa direção. Só paravam às vezes para trocar alguns golpes entre si, como dois cães raivosos. Eram enormes, tinham mais de dois metros de altura e corpos desproporcionalmente musculosos. Suas pernas eram do tamanho de um tronco humano e seus braços maiores que nossas pernas. Não tinham mais pescoço aparente, haviam se escondido embaixo de tantos músculos. Não se conseguia ver detalhes do corpo nu deles. As mãos eram grandes garras e as próprias coxas já ocultavam o sexo daqueles monstros. O que mais se podia reparar neles eram as cicatrizes. Marcas de mordida, cortes e evidências de luta e estilhaços cobriam o corpo inteiro. Mesmo suas cabeças estavam deformadas e estranhamente desenvolvidas. Os olhos estavam entalhados fundos no meio de um rosto monstruoso, completamente cheio de fibras musculares densas, com um maxilar enorme e dentes deformados . Seu grito era tão alto e forte que dava vontade de tapar os ouvidos e ajoelhar. Difícil estar frente a frente com essas criaturas e ter alguma perspectiva de sair vivo.
Recuamos correndo, segundo as ordens do capitão e nos separamos em dois grupos, um para cada lado de onde ficava a rodovia. De uma lado ficamos eu, Otávio, Ernani, Fernanda, Carlos, Kelly, Jonatha, Aline e Rogher. Do outro ficou a Ana, Karol, Archie, Renata e os dois soldados que nem o nome sabíamos ainda.
Pensávamos que os tratores iriam se dividir, um para cada grupo, aumentando as chances que tínhamos de combatê-los e com chances de haver sobreviventes. Não o fizeram. Nem havíamos começado a entrar na mata percebemos que os dois tratores foram direto na direção do outro grupo. Foi aí que paramos. Eles também mal haviam entrado na mata. Ainda podíamos vê-los, quando os tratores os alcançaram. Podíamos ouvir os tiros e os gritos de nossos amigos. Vê-los serem atirados nas árvores, esmagados e despedaçados. Um dos tratores parecia ter perdido a noção do que havia a volta. Provavelmente havia sido atingido nos olhos por algum disparo. Enquanto estava sem noção, batia e arremessava tudo à sua volta em todas as direções. Vimos que num destes arremessos atingira, com um tronco, o corpo da Ana. Lembro-me de ter gritado e de parecer ver o tempo parar enquanto via àquela que cuidara tão carinhosamente de todos nós no abrigo, voar como um fantoche por entre as árvores e cair sobre as ruínas da antiga estrada.  Tentei correr na sua direção mas fui impedido pelo Ernani, Otávio e pela Fernanda. Por mais que tivesse forças para levar os três de arrasto eu não consegui. Só consegui ajoelhar e assistir. Vimos e ouvimos o Arthur gritar para a Renata correr até nós, enquanto ele pegava a arma e atirava no Trator que ainda estava bem. Este ainda estava despedaçando o último soldado, pisaando sobre a Karol, que soltava gritos de dor por ter a coluna esmagada desta forma. Os tiros fizeram o trator recuar. Acabou sendo atingido por um golpe do outro, que seguia batendo sem foco. O golpe o fez voar sobre o Arthur, prensando-o contra um tronco com um galho partido, atravessando o peito de ambos. Foi uma cena chocante. De um grupo de 6 pessoas, agora só víamos a Renata correndo entre as árvores, vindo em nossa direção. Gritando e chorando, só parou de correr ao encontrar o corpo da Ana em seu caminho. Todos a amávamos como se fosse uma mãe para cada um de nós. O Otávio foi até a Renata, trouxe-a até nós. Voltou até onde estava o corpo dos primeiros soldados atingidos, pegou os explosivos, ativou os detonadores por tempo e se aproximou do Trator que ainda gritava e golpeava a esmo. Soltou um berro para que esse percebesse sua localização e presença e largou os explosivos, correndo em seguida. Como esperado o trator foi exatamente para onde ele estava e a explosão pôs um fim a ele. A explosão arremessou o Otávio longe mas por sorte não o feriu. Logo estava em pé e veio para que, com pressa, seguíssemos nosso caminho para o mais longe possível dali. Todo aquele barulho atrairia mais inanes com certeza. 
     O restante do nosso trajeto até aqui viemos em silêncio, profundamente tristes. Sequer pudemos dar um funeral ao nossos amigos e as imagens do que lhes acontecera não nos deixa dormir, só nos faz chorar.
     Vou encerrar por aqui hoje. Teremos que acordar cedo para seguir a caminhada e preciso relaxar já que dormir será muito difícil. Só me resta afagar os cabelos de minha namorada e agradecer por estarmos vivos. Lamentamos pelos que se foram mas só podemos honrá-los se não desistirmos de continuarmos vivos...

Álisson Alves

Alisson Alves é o autor do Blog Gente Incomum, escritor, blogueiro, e nas horas vagas curte jogos online, tocar violão e ler.

2 comentários:

  1. TT.TT.....Veio da vontade de cortar os pulsos depois de ler isso...muito triste...mas não podiamos esperar nada menos, a historia continua otima alisson....Otavio

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  2. Muito show Alisson !
    Sou eu Alan :)

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