Florianópolis
- 31 de Agosto de 2018 -
- Base Militar - Canasvieiras - 22:30-
Infelizmente só agora estou podendo usufruir de uma certa "liberdade" e quero aproveitar para documentar os fatos até o momento. Também deixo claro que decidi esconder este diário dos militares para que não o confisquem como meio de informação. O que imaginamos ser uma salvação nada mais é do que trocar a sorte lá de fora por uma vida em um "campo de concentração". Ainda mais quando decidem que você deve ser estudado por ter sobrevivido a dois ataques de inanes e sofrido certas "mutações" genéticas. Para os militares não sou mais um "humano", sou meramente uma "cobaia" agora. Apesar de ter sido defendido pelo Cap. Ernani, que argumentara sobre meu lado "humano" com o qual conviveu estes dias, fui trancafiado e estudado por um dia inteiro até que um acordo foi feito.
Mas vamos começar de onde havia parado.
Embarcamos ontem rumo à base em Canasvieiras mas, ao invés de ser um vôo rápido, ficamos sobrevoando pelo norte da ilha dando informação e suporte aéreo para algumas operações em solo. Nenhuma informação dita pelo piloto ao rádio era clara o suficiente para que pudéssemos definir o que estavam fazendo.
Quando pousamos já era noite e mal conseguimos ver em que parte de Canasvieiras estávamos. Só víamos as luzes da base em si, especialmente no local de pouso. Tudo estava de uma forma a chamar pouca atenção. Silencioso, escuro, isolado.
No desembarque foi a última vez que vi meus amigos até esse momento. Disseram que eles seriam levados para alojamentos de adaptação enquanto eu precisava ser levado "à outro local".
Esse "outro local" foi à uma cela, onde encontrei o responsável pela base pelo que pude perceber pelos trajes e insígnias e pela forma com que os demais se dirigiam a ele. Não por nome, mas jamais sem um "Sim Sr!".
Fui interrogado por ele na presença do Cap. Ernani, outro militar que parecia ser um cientista e mais alguns soldados que estavam ali montando guarda, caso eu me tornasse algum tipo de ameaça.
Contei sem muitos detalhes o que acontecera, desde o dia em que começou a infestação até sermos resgatados. Tive também que ceder amostras de sangue e pele (eu diria carne mesmo pois queriam estudar as mutações que resultaram na força extra nas fibras musculares). Depois fui sedado e acorrentado à cela. Hoje pela manhã recebi a visita do Cap. Ernani que me deu a notícia de que poderia circular um pouco pelo local, devidamente escoltado mas que ainda teria que me manter longe dos alojamentos.
Foi durante esse passeio que realmente percebi onde estávamos.
O bairro inteiro de Canasvieiras havia sido destruído pelos militares. Literalmente colocaram tudo abaixo e utilizaram o entulho pra construir um grande aterro mar adentro, ligado por um longo istmo à orla da praia. Estava tudo plano e cercado, com guardas por toda à parte. A base em si ficava em pleno mar, como uma nova ilha e o antigo bairro fora feito de alojamento às famílias dos soldados e demais sobreviventes. Haviam cercas enormes por todos os lados e o fluxo de civis e militares era monitorado o tempo todo. Eu estava proibido de deixar a base e atravessar o istmo para ir até os alojamentos. Ao menos essa era a regra até a parte da tarde.
Depois de constatarem que não era uma ameaça a ninguém, decidiram fazer um acordo comigo enquanto decidiam o que seria feito a meu respeito no final. Queriam analisar e me manter por perto por mais tempo mas percebiam que isso poderia acabar me irritando (e aí sim seria uma ameaça) e causar um motim por parte dos civis nos alojamentos. Já havia chegado ao ouvido do alto escalão que meus amigos já estavam "movimentando as massas" contando sobre o que haviam feito comigo no helicóptero e depois no desembarque. Tudo o que o exército não precisava neste momento era de um conflito interno então, me fizeram uma proposta. Me deram a liberdade de ir e vir durante uma semana inicialmente, sendo que estaria frequentemente escoltado por dois soldados e utilizando uma pulseira rastreadora. Eu poderia até mesmo deixar a base se quisesse durante este período mas um dispositivo ligado à pulseira liberaria veneno em minha corrente sanguínea caso eu tentasse remover a pulseira.
Preso eu já estava mesmo, então, preferi aderir à tal pulseira e aproveitaria pra resolver algumas pendências, como cumprir minha promessa ao Jonatha e mais uma coisinha que fiz essa noite.
Na metade da tarde já estava com a pulseira implantada (pois ela fora ligada por algo que pareciam agulhas à minha carne). Pedi para que me levassem até o alojamento onde estava o pessoal.
Foi muito bom revê-los, por mais que só tenha passado um dia, parecia uma eternidade. E o fato de eu ainda não estar "livre" fazia com que cada momento fosse mais valioso. Combinei com o Jonatha de partir depois de amanhã rumo ao Rio Vermelho para irmos até onde o Rafael fora enterrado (tentarei solicitar uma carona com o Cap. Ernani) e chamei a Fernanda para dar uma volta. Sair com a namorada com escolta é pra ficar indignado. Ainda mais que, além da falta de privacidade, ia convidar ela pra ir aonde? Não se podia nem chegar à beira do mar por causa das cercas e tudo ali parecia igual. Mas, mesmo não podendo contar com o ambiente, o importante era estar com ela e fazer o que planejara fazer. Durante a caminhada eu parei, me virei para a escolta e disse: "Que assim seja, então vocês agora serão obrigados a serem minhas testemunhas!" e virei para a Fernanda e disse: "Quer casar comigo? Se aceitar meu pedido, amanhã mesmo providenciaremos uma cerimônia. Mas vou entender se decidir rejeitar a proposta em vista da minha atual condição carcerária e de saúde!".
"Eu aceito!" - ela respondeu
"E não só aceito como acho que você é um bobo por achar que uma situação ou saúde iria interferir nos que sinto por você" - continuou ela. "Sim, sim e sim!".
Eu tinha conseguido um pedaço de barbante no alojamento antes de sairmos e com ele fizemos nossas alianças de noivado.
Minha escolta soltou um sorriso e parabéns, embora, no momento seguinte, me chamassem de louco. Estou acostumado, minha vida toda fui chamado disso mesmo. Por sinal, a reação foi imensamente semelhante no alojamento, ao ser recebida a notícia, só que com direito a abraços, beijos, e mais sorrisos. Mas nada de festa pois as regras eram rígidas com respeito à discrição em qualquer parte do local, seja nos alojamentos, seja na base.
Consegui autorização, graças ao Cap. para que eu ficasse no alojamento durante estas noites antes da partida e ele gentilmente disse que providenciaria um local apropriado para a cerimônia de amanhã, assim como minha privacidade para o dia e noite de meu casamento. Logicamente esta gentileza toda veio acompanhada da lembrança do meu acordo e condição. Soou como um "aproveite o momento pois ainda não está fora da mira do General".
Agora estou aqui, como disse, registrando estes acontecimentos, com ela ao meu lado, olhando para mim como se fosse a última vez que o pudesse fazer. Chega de escrever, hora de dar atenção à minha noiva.
Boa noite, estamos ansiosos por amanhã!

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